Energia solar em tempos de crise hídrica

Energia solar em tempos de crise hídrica - GDSolar

Os volumes dos principais reservatórios de água para geração elétrica no País descem a níveis preocupantes devido à escassez de chuvas, o que levou o governo federal a emitir alerta de emergência hídrica para Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. No subsistema Sudeste/Centro-Oeste a energia disponível nos reservatórios é de 30,8% para junho (ONS, 2021). O balanço hidrológico no período 2020-2021, noticiado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), resultou no pior aporte hidráulico desde 1931 (ANEEL, 2021).

Diante destes fatos as preocupações aumentam e fazem lembrar o “apagão” de 2001 como ficou conhecido o iminente colapso de fornecimento elétrico que, apesar de ter sido evitado, legou o mais severo programa nacional de racionamento de eletricidade que durou cerca de 9 meses. À época, os consumidores precisaram reduzir compulsoriamente o consumo de eletricidade em 20% para evitar sobretarifas e cortes de fornecimento em caso de descumprimento.

As possíveis causas que culminaram no apagão foram a estagnação de investimento no setor elétrico há vários anos, os volumes baixos nos reservatórios em 2001, além da alta dependência das hidrelétricas que somavam cerca de 85% da capacidade de geração. O racionamento de 2001 foi um duro revés e impactou severamente a atividade econômica brasileira. Em 2009, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o custo direto do apagão foi de R$ 45,2 bilhões (em valores de 2009), sendo que 60% foram pagos diretamente pelos consumidores através de repasse tarifário. Mais de R$ 443 milhões (em valores de 2003) foram cobrados como sobretarifa dos consumidores por descumprimento da meta (TCU, 2009).

O setor elétrico brasileiro foi reorganizado no fim dos anos 1990, seguindo uma tendência de liberalização do setor em nível mundial com mais participação privada. O Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), decretado em 2000, visava a construção de um parque termelétrico com investimento privado. O PPT não atingiu seu objetivo em tempo porque os investidores eram avessos aos riscos de mercado.

Em 2004, entretanto, algumas mudanças estruturais ocorreram:

  1. Regulamentação da comercialização de energia elétrica em dois ambientes distintos:
    1. Ambiente de Contratação Livre (ACL), conhecido como Mercado Livre, em que contratos bilaterais entre grandes consumidores e geradores podem ser negociados livremente;
    2. Ambiente de Contratação Regulado (ACR), conhecido como Mercado Cativo, em que as tarifas são reguladas pela ANEEL e a contratação de energia é proveniente de leilões, uma mudança que gerenciou os riscos de mercado para que os investimentos privados fossem atraídos. Os vencedores dos leilões firmavam contratos de longo prazo. Assim, termelétricas, por exemplo, podiam ser contratadas e remuneradas mesmo quando não operavam, assegurando energia quando necessário.
  2. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), foi criada para prover estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento do setor energético brasileiro, incluindo o setor elétrico, muito devido ao quase colapso elétrico nos anos de 2001 e 2002.
  3. A lei nº 10.848 sobre comercialização de energia elétrica considerou a geração distribuída (GD), pela primeira vez, como uma opção de contratação pelas empresas de distribuição. Mais tarde no mesmo ano, o decreto nº 5.163 (o mesmo que estabeleceu as regras do ACL e ACR) permitiu a contratação de energia elétrica proveniente de GD pelo agente de distribuição limitando a compra até 10% da carga atendida.

A ampliação de um parque termelétrico fazia sentido pelo excesso de oferta de gás natural à época, proveniente do Gasoduto Brasil-Bolívia, servindo as termelétricas a gás que atuavam como complementação de fornecimento para as hidrelétricas no período seco. Mas tão logo a demanda de gás aumentou, ele próprio se tornou um problema com risco de escassez. As termelétricas, ainda que mais poluidoras que outras fontes renováveis, podiam ser facilmente despachadas e controladas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).

Em 2014 a escassez de chuvas ressurge e derruba novamente o volume dos reservatórios, mas dessa vez o País, mais preparado, não raciona eletricidade, mas a própria água. Eletricidade podia ser produzida para atender a demanda com usinas termelétricas, prontas para despacho nas horas de alta demanda; entretanto, o ônus é explícito: o MWh é mais caro e o custo adicional é repassado sazonalmente aos consumidores através da chamada bandeira tarifária, vigente desde 2015, dado que o despacho de uma termelétrica poderia produzir eletricidade ao custo de até R$ 1.200/MWh. De acordo com o noticiado pela Reuters com dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o custo de acionamento das termelétricas além do previsto soma R$ 3,9 bilhões no primeiro trimestre de 2021 e já superou 2020.

Atualmente as hidrelétricas ainda respondem por aproximadamente 60% da capacidade total, mas o mix de geração é mais diversificado. Além das termelétricas, a geração expandiu com recursos renováveis como biomassa, eólica e solar fotovoltaica; essa última tanto na geração centralizada (GC) quanto na GD.

Em 2012 a ANEEL regulamentou a GD permitindo que qualquer consumidor no Brasil pudesse produzir eletricidade para consumo próprio. Usinas de até 5 MW, mesmo que distantes dos centros de carga, são permitidos. Com o tempo, GD se tornou sinônimo de energia solar fotovoltaica que já responde por mais de 97% dos sistemas distribuídos com 6 GW instalados e mais de meio milhão de consumidores brasileiros com geração fotovoltaica (ANEEL, 2021).

Apesar da natureza distribuída da energia solar, a maioria dos projetos contemplados nos últimos leilões de energia nova foram solares fotovoltaicos. Atualmente, cerca de 47% da expansão de geração é fotovoltaica (ANEEL, 2021); e isso tem um motivo: custo. Na expansão da GC a solar fotovoltaica atingiu o preço de R$ 67,48 /MWh em 2019 (CCEE, 2019). Na GD fotovoltaica, o kWh pode custar menos da metade da tarifa de eletricidade.

Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, a projeção de micro e mini GD está entre 16,8 GW e 24,5 GW para 2030 (MME/EPE, 2021), acima da projeção para 2029 que era de 11,4 GW. A maior parte desta capacidade deve ser implantada com tecnologia fotovoltaica para autoconsumo e autoconsumo remoto.

Apesar da liberalização do setor elétrico nos anos 1990, a concretização de tarifas baixas para os consumidores nem sempre foi possível. Em toda crise iminente as tarifas aumentaram para contornar o problema. Grandes consumidores buscaram tarifas mais baixas no ACL para aumentarem sua competitividade. Os consumidores cativos não pensam diferente e veem na geração própria de eletricidade, especialmente a GD difundida pela tecnologia fotovoltaica, uma forma de controle dos seus custos. Sem concorrência pela água ou combustíveis, a GD solar fotovoltaica tende a se expandir e será o principal recurso que modificará o setor elétrico.

Referências

ANEEL. Bandeira para o mês de maio é vermelha patamar 1. Acesso em 13 de junho de 21. Disponível em www.aneel.gov.br.

_. Geração Distribuída. Acesso em 16 de junho de 2021. Disponível em www.aneel.gov.br.

_. Sistema de Informações de Geração da ANEEL. Acesso em 16 de junho de 2021. Disponível em www.aneel.gov.br/siga.

CCEE. Leilão de energia renovável tem deságio de 45% e gera investimentos de R$ 1,9 bi. Acesso em 16 de junho de 2021. Disponível em www.ccee.org.br.

MME/EPE. Plano Decenal de Expansão de Energia 2030. 2021.

ONS. Energia Agora: Reservatórios. Acesso em 13 de junho de 2021. Disponível em www.ons.org.br.

Foto de capa de Dan MeyersUnsplash

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