ESG: os meios são tão importantes quanto o fim

ESG: os meios são tão importantes quanto o fim

Num passado não tão distante, um extenso relatório financeiro era suficiente para demostrar a saúde financeira de uma empresa e sua capacidade para continuar crescendo. Os investidores pouco sabiam sobre os meios adotados pela empresa, mas, se os números fossem bons, era quase certo de que o investimento também seria. Os índices financeiros apoiavam quase que exclusivamente a tomada de decisão, não importasse como o lucro fosse perseguido.

Nos últimos anos, entretanto, o perfil de investimento tem mudado e o investimento ESG, sigla para Environmental, Social, and Governance, é uma realidade. No Brasil, a tradução literal criou a sigla ASG (Ambiental, Social e Governança) para identificar a mesma tríade. O fato é que os investidores estão aplicando cada vez mais esses fatores não financeiros como parte de seu processo de análise para identificar riscos materiais e oportunidades de crescimento (CFA INSTITUTE, 2021). Os critérios ambientais consideram a relação de uma empresa com o meio ambiente, desde o seu consumo de energia e disposição de resíduos até a emissão de gases de efeito estufa. Os critérios sociais incluem todos os aspectos humanos dentro e fora da empresa, desde o relacionamento com colaboradores até o impacto social nas comunidades com quem se relacionam. O critério de governança engloba os procedimentos, protocolos e controles internos e define como a empresa se comporta para cumprir leis e dar transparência às suas práticas.

Embora não exista um método padronizado para quantificar o score ESG de uma empresa, as informações e dados que a empresa publica para demonstrar, por exemplo, seu esforço para melhorar sua eficiência energética, ou buscar ativamente o desenvolvimento da comunidade ao seu redor por meio de ações diversas e inclusivas, ou ainda quando estabelece processos claros e se posiciona firmemente contra práticas de corrupção e lobby, dizem muito sobre a sua postura para perseguir o seu propósito empresarial, criar valor e resultados. Se antes essas iniciativas eram consideradas subjetivas e secundárias, agora são efeitos de valores empresariais que podem ressonar com os dos investidores. Do outro lado, clientes e consumidores estão mais conscientes da mudança climática e se importam com produtos e serviços que preservam a natureza. Muitos estão dispostos a pagar mais por um produto ou serviço ‘verde’. Essa mudança de hábito realimenta a ideia da sustentabilidade, por isso, algumas empresas não querem ser vistas por clientes e investidores como uma ‘caixa preta’ e preferem publicar suas metas sustentáveis, geralmente de longo prazo, como uma estratégia empresarial duradoura.

Em duas pesquisas realizadas pela McKinsey sobre ESG, uma em 2009 e outra em 2019, a porcentagem de executivos e profissionais de investimento pesquisados, que acreditam que programas ESG criam valor para os acionistas, aumentou. Agora, os que acreditam são a maioria (57%); a incerteza sobre a criação de valor diminuiu de 25% para 14%. A pesquisa ainda aponta que uma das formas que os programas ESG melhoram a performance financeira das empresas é manter uma boa reputação empresarial e atrair e reter talentos. Atingir expectativas da sociedade com relação à postura empresarial também foi um dos itens que mais cresceu entre as duas pesquisas. A Conformidade (compliance) com regulamentações e transparência figuram como as atividades mais importantes relacionadas às práticas ESG.

Agora, as atenções estão voltadas para o ESG e os investimentos refletem isso:

“Pensar e atuar em ESG de forma proativa tem se tornado ainda mais urgente. (…) Imbuído desse espírito, o investimento em ESG teve um crescimento meteórico. O valor global destinado a sustentabilidade hoje chega a $ 30 trilhões [de dólares] (68% maior desde 2014 e 10 vezes maior desde 2004). A aceleração tem sido motivada pelo aumento da atenção social, governamental e do consumidor para o maior impacto das empresas, assim como investidores e executivos que perceberam que uma proposta de ESG mais sólida pode ajudar a garantir o sucesso da empresa no longo prazo.” (McKinsey & Company, 2021)

No início dos anos 2000 a temática sustentável não atraía investimentos significativos para as empresas, mas atualmente o cenário global é diferente. A Bloomberg estima que os ativos ESG sob gestão podem superar um terço do total global projetado até 2025. No Brasil, a performance de empresas que zelam pelo ESG pode ser comparada com o Ibovespa, o principal índice das ações negociadas na bolsa. O ISE B3, Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3, é um índice que mede o retorno médio de uma carteira teórica de ativos de empresas listadas com as melhores práticas em sustentabilidade (B3, 2021). O ISE B3 foi criado em 2005 e, desde então (até 25 de novembro de 2020), valorizou 294,73%, enquanto o Ibovespa teve alta de 245,06%. A volatilidade do ISE B3 foi de 25,62%, contra 28,10% do Ibovespa (Lewgoy, 2020). A diferença de performance do ISE B3 entre 2012 e 2017 em relação ao Ibovespa é mais nítida. Neste período o ISE B3 performou sempre acima do Ibovespa.

Não ao caso, recentemente, o Ministério do Desenvolvimento Regional lançou o “Estratégia Investimento Verde” que visa contratar projetos que priorizam critérios ambientais, sociais e de governança em obras públicas de infraestrutura. O Governo Federal assinou Acordos de Cooperação Técnica com oito associações do setor privado, entre elas o Sebrae.

Investimentos ESG no Brasil devem crescer daqui para frente. O relatório “Oportunidades de Investimento em Infraestrutura Sustentável no Brasil”, publicado pelo Brazil Green Finance Programme em março de 2021, projeta a necessidade de investimento em infraestrutura sustentável no Brasil entre 3,5 trilhões e 3,6 trilhões de reais entre 2020 e 2040. Projetos de infraestrutura sustentáveis são todos aqueles que em seu ciclo de vida garantem sustentabilidade econômica e financeira, ambiental, social e institucional. O destaque, porém, está em dois setores: infraestrutura de energia de baixo carbono e telecomunicações.

A infraestrutura de energia de baixo carbono, que compreende a geração centralizada com fontes renováveis, geração distribuída (sobretudo com solar fotovoltaica), infraestrutura de transmissão e distribuição de energia elétrica e usinas de produção de biocombustíveis, representa 27% do total de investimentos projetados para o período, ou seja, 968 bilhões de reais, com capacidade para criar 1,2 milhão de vagas de emprego neste setor. Estima-se que, somente a geração distribuída fotovoltaica, demandará 106 bilhões de reais até 2040.

O ESG, portanto, é uma lente de aumento sobre as operações e o comportamento das empresas. O perfil dos investimentos tem mudado e os valores e as boas práticas corporativas fazem toda a diferença para a tomada de decisão dos investidores. Os critérios ESG definitivamente agregam valor e clientes e consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos e serviços de empresas que se esforçam para cuidar da natureza, que são mais inclusivas e transparentes. Investidores, por sua vez, tentarão capturar os resultados financeiros destas mudanças. O lucro continua sendo o objetivo fundamental das empresas e dos acionistas, mas com o ESG, os meios são tão importantes quanto o fim.

Referências

B3. Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3). Disponível em https://www.b3.com.br/. Acesso em 7 de outubro de 2021.

Bloomberg. ESG assets may hit $53 trillion by 2025, a third of global AUM. Bloomberg Intelligence. Publicado em 23 de fevereiro 2021. Disponível em https://www.bloomberg.com/. Acesso em 8 de outubro de 2021.

Brazil Green Finance Programme. Oportunidades de Investimento em Infraestrutura Sustentável no Brasil. Publicado em 16 de março de 2021. Disponível em https://ukbrazilgreenfinanceprogramme.com/. Acesso em 8 de outubro de 2021.

CFA INSTITUTE. ESG Investing and Analysis. Disponível em https://www.cfainstitute.org/. Acesso em 4 de outubro de 2021.

Governo do Brasil. Projetos vão priorizar critérios ambientais, sociais e de governança. Publicado em 1º de setembro de 2021. Disponível em https://www.gov.br/. Acesso em 4 de outubro de 2021.

Júlia Lewgoy. Bolsa divulga empresas do índice de sustentabilidade de 2021. Veja a lista. Valor Investe. Publicado em 1° de dezembro de 2020. Disponível em https://valorinveste.globo.com/. Acesso em 10 de outubro de 2021.

McKinsey & Company. The ESG premium: new perspectives on value and performance. McKinsey Sustainability. Publicado em 12 de fevereiro de 2020. Disponível em https://www.mckinsey.com/. Acesso em 7 de outubro de 2021.

McKinsey & Company. Práticas ESG podem criar valor de cinco formas. Publicado em 30 de junho de 2021. Disponível em https://www.mckinsey.com/. Acesso em 8 de outubro de 2021.

Foto de Alex Middleton em Unsplash.

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